Plataformas de serviços de entrega e ‘estafetas’

21 Janeiro, 2022

Grupo Adecco recomenda 3 caminhos para a regulamentação das relações laborais e a necessidade de um novo contrato social

 

Os serviços de entrega ao domicílio têm o potencial de criar emprego real, ao mesmo tempo que satisfazem eficazmente exigências crescentes face às necessidades dos consumidores. Mas para que esta nova economia digital possa oferecer a proteção e a qualidade de trabalho que os prestadores destes serviços esperam legitimamente, todos as partes envolvidas devem abraçar responsabilidades que equivalem a um Novo Contrato Social. O Grupo Adecco faz uma breve análise do contexto e aponta três rumos fundamentais a seguir para que esta nova economia esteja enquadrada por uma regulamentação laboral adequada, consistente e justa.

 

Nos últimos 15 anos, a globalização e digitalização de muitas atividades tem contribuído para uma proliferação de plataformas digitais que asseguram entrega ao domicílio de todo o tipo de produtos, em particular, comida. A pandemia acentuou o crescimento deste setor, registando-se o aumento tanto de plataformas de entrega como de trabalhadores filiados. Neste contexto de crescimento exponencial, surge a necessidade de regular as relações laborais entre as partes envolvidas – empresas e prestadores de serviços (comumente designados por ‘estafetas’) –, que é atualmente muito deficiente.

Na sequência de uma análise às condições de trabalho que envolvem os prestadores de serviços neste ecossistema empresarial das plataformas de entrega, o Grupo Adecco emitiu recomendações aos empregadores e decisores políticos no sentido de ajudar a promover um modelo responsável e flexível que crie uma relação mais justa entre as plataformas de entrega e os estafetas. As recomendações baseiam-se num leque alargado de entrevistas a representantes de plataformas, sindicatos profissionais e decisores políticos. Conheça as conclusões mais relevantes:

 

Uma indústria jovem e em crescimento

As plataformas especializadas na entrega de refeições ao domicílio têm aparecido em número crescente nos últimos anos, em particular durante a pandemia pelas restrições impostas durante os confinamentos, atuando como intermediários entre o cliente; um fornecedor, como um restaurante ou outro comerciante; e o profissional afiliado à plataforma (o ‘estafeta’). A plataforma cobra uma comissão para interligar as três partes. As margens de exploração são magras para os operadores, resultando frequentemente em baixos rendimentos a atribuir aos estafetas.

Para os estafetas a trabalhar neste tipo de plataforma, os benefícios mais frequentemente mencionados são os horários flexíveis, as poucas barreiras no acesso ao trabalho e fácil acesso ao rendimento e experiência de trabalho. No entanto, o trabalho é muitas vezes imprevisível e os ganhos dependem fortemente dos parâmetros estabelecidos pela plataforma. Como trabalhadores independentes, os estafetas também carecem dos benefícios e proteção social inerentes às contratações tradicionais.

 

Falta a coerência e consistência à escala global

Atualmente, não existe um quadro regulamentar consistente que estabeleça parâmetros para uma relação ‘justa’ entre a plataforma e os estafetas. As políticas variam de país para país; até agora, os tribunais nacionais, geralmente, tomam decisões legais relacionadas com a relação entre a plataforma e os colaboradores (especialmente no que toca estatuto laboral dos trabalhadores) numa base casuística ou específica da empresa. Os principais tópicos para os decisores políticos incluem a segurança do emprego e dos rendimentos dos trabalhadores; o acesso a benefícios e proteção social; oportunidades de desenvolvimento de carreira; e o direito de negociar contratos.

A criação de uma relação mais equilibrada entre plataformas de entrega ao domicílio e os seus colaboradores, mantendo ao mesmo tempo o crescimento empresarial e a flexibilidade da força de trabalho, exigirá uma abordagem inclusiva – com a participação de estafetas, plataformas, fornecedores de soluções de recursos humanos. É o caminho para encontrar uma solução que beneficie todas as partes interessadas.

O Grupo Adecco acredita que os decisores políticos devem abordar a redefinição dos modelos laborais para a era digital, nomeadamente enquadrando o trabalho de entrega ao domicílio, para proporcionar aos que optam por este trabalho, hoje precário, mais opções para a estabilidade económica, mobilidade profissional e certeza no seu futuro. As soluções eficazes podem incluir o seguinte:

  • Dissociação do estatuto laboral do acesso aos benefícios
  • Negociação coletiva ou cooperativas para negociar as condições dos colaboradores da plataforma
  • Flexibilidade nos contratos e modelos de contratação
  • Apoios governamentais para os benefícios dos trabalhadores das plataformas
  • Alavancar as empresas de serviços de recursos humanos como ecossistema intermediário de ajuda às plataformas na contratação de colaboradores numa base mais flexível, sem necessidade de as plataformas serem os empregadores diretos

 

Orientações do Grupo Adecco aos stakeholders

 

1. A proteção social deve ser fundamental para todas as formas de trabalho das plataformas. A concorrência entre operadores não deve ser feita à custa da proteção social dos trabalhadores. Na maioria dos países, há oportunidade e viabilidade para implementar modelos de trabalho flexíveis, nomeadamente o trabalho temporário, para os colaboradores das plataformas. Para os colaboradores que apreciam verdadeiramente a liberdade que advém do trabalho independente, existem normalmente opções para que organizem as suas próprias redes de segurança como acharem melhor. Embora esta liberdade para os trabalhadores independentes seja importante, os governos deveriam considerar formas de proteger os grupos vulneráveis de trabalhadores independentes, criando uma proteção básica universal, ou uma obrigação para os trabalhadores independentes de aderirem aos sistemas de proteção social.

 

NOTA: em Portugal, os trabalhadores independentes, a partir do 12.º mês a partir do início da atividade, passam a ter de fazer descontos para a Segurança Social. Estão isentos se o rendimento anual não ultrapassar 4 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), ou seja, € 1772,80. Se cumularem essa atividade, com trabalho independente, também podem ficar isentos, mas se não ultrapassarem o valor que acima indicado.

 

2. São necessários critérios claros para definir o estatuto do trabalhador por conta de outrem. Nem todos os estafetas são trabalhadores independentes ou empregados. Em particular, na Europa, a diferença entre emprego e autoemprego reside na autonomia do trabalhador versus o nível de hierarquia exercido pelo cliente ou empregador. Os critérios específicos podem diferir ligeiramente entre países, mas muitas vezes espelham elementos dos “Critérios Yodel”, nomeados após o acórdão do Tribunal de Justiça Europeu, em 2020, que identificou estes critérios: a capacidade de aceitar ou rejeitar missões, a capacidade de estabelecer horários de trabalho, a não exclusividade de uma plataforma, e a capacidade de utilizar subempreiteiros ou substitutos. O facto de uma plataforma funcionar digitalmente não pode ser visto como um fator determinante.

 

3. O preço dos serviços da plataforma deve refletir o custo da proteção social. Atualmente, muitos estafetas que trabalham em regime freelance podem não dispor de meios financeiros para assegurarem a sua proteção social. Qualquer que seja a forma de organização da proteção social, ela trará alguns custos adicionais. É também evidente que nenhum dos intervenientes envolvidos tem atualmente a margem financeira para absorver estes custos, pelo que a única forma de manter a rentabilidade para todos as partes envolvidas será provavelmente imputar este aumento no preço final ao consumidor.