1 em cada 4 homens tem dificuldade em aceitar uma liderança feminina

13 Junho, 2022

Como impedir a perda de uma geração de mulheres no mundo do trabalho? 

Décadas de evolução da presença das mulheres no mercado de trabalho foram postas em causa pela pandemia. Na linha da frente em profissões de risco, mas também em casa e nos cuidados aos seus, muitas acabaram por desistir e ainda não regressaram. O que explica este fenómeno? Em nome das novas gerações de mulheres e de um paradigma de trabalho atual que pugna pela inclusão há que agir para contrariar este fenómeno. A Adecco Portugal apresenta quatro sugestões. 

 

Na primeira vaga da pandemia, em 2020, houve um colapso no emprego feminino. A primeira e mais óbvia justificação é que as mulheres trabalham de forma desproporcional em setores especialmente atingidos pela COVID-19.   

O relatório do Grupo Adecco Resetting Normal: Defining the new era of work, realizado em 2021, concluiu que homens e mulheres experienciaram a pandemia de forma distinta e foram as mulheres que mais sentiram na pele as consequências: mais mulheres a sentir-se em burnout (39% vs 36%); que o seu bem-estar mental declinou (34% vs 29%) e que ansiavam regressar ao escritório (46% vs 38%).  

Outra parte importante da causa desta saída das mulheres do mercado de trabalho é que em muitas sociedades ainda são as mulheres a suportar o peso do trabalho doméstico e dos cuidados familiares e que continua a afastá-las do regresso ao trabalho. 

 

1 em cada 4 homens tem dificuldade em aceitar uma liderança feminina 

O inquérito, também de 2021, Mulheres na Liderança. A análise das diferenças de género no topo das empresas’* confirma o fardo que recai sobre as mulheres: cerca de 28% do universo de quase 580 mulheres inquiridas, dizem ser cuidadoras, ou seja, são responsáveis por cuidar de outras pessoas que não os seus próprios filhos.  

A distribuição do tempo dedicado aos cuidados de outros é a variável que melhor explica o facto de esta responsabilidade ser um dos obstáculos à progressão da carreira: ultrapassa as 21 horas semanais para 42% das inquiridas com filhos menores e para 34% das cuidadoras. Isto significa que é como se as mulheres trabalhadoras, para além do seu contrato a tempo inteiro, tivessem também um contrato a tempo parcial adicional não remunerado. Não obstante este estudo ter sido feito em Itália, tendo em conta os hábitos socioculturais e familiares, não é de todo arbitrário plasmar os resultados para a sociedade portuguesa, sendo de considerar o agravamento do conservadorismo nacional que ainda mina o mercado de trabalho. 

O inquérito referido diz ainda que 1 em cada 4 homens tem dificuldade em aceitar uma liderança feminina: 46% refere serem ainda menos ouvidas do que os seus pares masculinos e 38% das mulheres entrevistadas identificam o principal obstáculo no facto de os homens, com as mesmas características (competências, qualificações, experiência…), continuarem a ter o privilégio de chegar à gestão de topo; por 36%, por outro lado, o principal obstáculo é representado pelo fardo dos cuidados com a família e pela falta de instrumentos de conciliação eficaz. Finalmente, 21% consideram o estereótipo das características masculinas impostas às mulheres que se querem afirmar como um obstáculo.  

 

O regresso das mulheres a um mundo de trabalho mais digital 

A discriminação e o trabalho de cuidados com filhos, pais, familiares ou amigos são, como seria de esperar, os principais antagonistas das carreiras. Cai-se sempre no mesmo estereótipo sociocultural: as mulheres são, comparativamente com os homens, mais sobrecarregadas e penalizadas por isso no mundo do trabalho. 

Décadas de presença das mulheres no mercado de trabalho foram postas em causa pela pandemia. Em nome das novas gerações, este progresso tem de continuar, porque o regresso lento das mulheres acentua um problema crescente que a Covid veio acelerar: a digitalização da economia tem vindo a excluir as mulheres devido ao défice sistémico do sexo feminino nas formações STEM (science, technology, engineering and mathematics). 

Quanto mais importante é o digital na economia, menor é a probabilidade de os cargos mais importantes serem ocupados por mulheres. Como se pode então, para além de um trabalho de fundo de governos e empresas em desenvolver políticas de conciliação trabalho-cuidados a terceiros, evitar que as mulheres se sintam excluídas desta rápida mudança para o digital? 

 

A Adecco propõe 4 formas 

Primeiro, há que definir modelos a seguir de forma a mobilizar as jovens para estudar tecnologia. Por mais superficial que possa parecer, é verdadeiramente importante que o mundo da ficção possa alavancar uma revolução cultural. Se pensarmos que a arte imita a vida, no caso podemos afirmar que a igualdade e inclusão de géneros pode começar com a arte e ficção: há muitas mulheres cientistas que o são porque seguiram exemplos de outras cientistas ou de personagens fictícias, como Abby Scuito, da série Investigação Criminal Los Angeles. A astronauta Mae Jemison, a primeira mulher afroamericana a ir ao espaço através do programa especial dos Estados Unidos, já reconheceu ter sido inspirada pela atriz Michelle Nichols, na série Star Trek 

Segundo, os governos têm de acelerar a ação regulatória relativamente à discriminação salarial, solicitando, por exemplo, às empresas que provem estar a pagar a homens e mulheres de forma igual por trabalho de igual valor. Os governos devem ainda investir na prestação de cuidados de forma a promover o regresso das mulheres ao mercado de trabalho, e priorizar as mulheres em programas de upskilling e reskilling. 

A discriminação positiva é necessária. Se continuarmos à mesma velocidade, a igualdade de géneros vai chegar dentro de 267 anos (Closing the Gender Gap | World Economic Forum). 

Terceiro, tem de se pensar em formas mais adequadas de proporcionar formação digital adequada à vida das mulheres. Os podcasts são um exemplo – para muitas mulheres, estes são uma oportunidade de absorver informação enquanto se ocupam de tarefas diárias. 

Muitas mulheres estão afastadas das profissões digitais porque pressupõem que estas são funções onde se trabalha de forma isolada em frente a um computador, o que nem sempre corresponde à realidade. Muitas envolvem uma série de outras competências.  

Quarto, os homens têm de se questionar sobre como podem contribuir para trazer mais mulheres ao mercado de trabalho. Veja-se o caso da luta pelos direitos civis dos anos 60que envolveu inicialmente a luta de pessoas negras pelos seus próprios direitos – e o movimento Black Lives Matter, que se estendeu a outras áreas da sociedade e as levou a reconhecer a sua própria necessidade de mudar. 

Ser um patrocinador é mais do que ser um aliado. Um patrocinador é alguém que fala (bem) de si quando não está presente na sala. As mulheres fazem isto por outras mulheres, e os homens também o podem fazer. 

 

*O inquérito “Mulheres na Liderança. A análise das diferenças de género no topo das empresas”, foi realizada pela Badenoch + Clark em colaboração com a JobPricing, tendo sido apresentado em outubro de 2021.