Gig economy. A nova moda do mercado de trabalho não serve a Portugal

1 Setembro, 2016

Trabalhos temporários, qualificados e bem pagos estão a conquistar os norte-americanos. Mas por cá, dominam os indiferenciados.

6,9 milhões de empregos. Esta é a destruição de postos de trabalho que a crise do subprime provocou nas empresas norte-americanas entre 2007 e 2010. O rasto de destruição fez a taxa de desemprego subir de 4,6% em 2007 para 9,3% em 2010. Nove anos depois, ainda não foi possível à maior economia do mundo regressar a valores pré-crise – a taxa de desemprego foi de 5,3% no final do ano passado – e talvez nunca seja, dizem os especialistas em recursos humanos contactados pelo Dinheiro Vivo.

É que depois de um período muito difícil para o mercado de trabalho, os norte-americanos encontraram uma nova forma de trabalhar: procuram cada vez mais empregos de curta ou muito curta duração que lhes permitem conciliar a vida privada e profissional, através de uma gestão pessoal do tempo do salário.

A este fenómeno chama-se gig Economy, um movimento que foi buscar o termo gig que se atribuía aos músicos de jazz que nos anos 20 saltavam de bar em bar nas ruas de Chicago à procura de trabalho. Nos dias de hoje, ser gig é fazer um trabalho especializado e bem pago. Os profissionais liberais são os que mais facilmente se adaptam a este fenómeno, mas em tese, desde que haja abertura por parte das empresas, qualquer função se pode adaptar. “Trata-se de pessoas altamente qualificadas que saíram das empresas onde trabalharam durante anos e agora estão a regressar para objetivos muito concretos e projetos de curta ou muito curta duração”, detalha Amândio da Fonseca, presidente da agência de recrutamento Egor, lembrando que este fenómeno é consequência das várias alterações que o emprego foi sofrendo nos EUA desde os anos 80 e que culminou com a saída de tantos quadros qualificados de bancos, consultoras, agências financeiras e empresas de imobiliário, arquitetura ou engenharia no subprime. “É um fenómeno de dimensões muito grandes que só uma economia que floresce permite”, acrescenta o presidente da Egor, assumindo que “para haver criação de emprego é preciso ter um PIB a crescer, pelo menos, 2%” e que sem isso “é muito complicado arriscar”.

Um estudo da Michael Page realizado em 15 países percebeu que o regime de trabalho temporário é adorado por praticamente todas as áreas de atividade do mercado global. Porém, a maioria encontra-se inserida nas áreas de Banking & Financial Services (13 %), Industrial Manufacturing (11%), e Business Services e Tecnologia (9%), em ambos os casos). São também relevantes o setor público e as áreas da Saúde, Property & Construction e Bens de Consumo e Retalho.

Em Portugal, “ainda prevalece a lógica dos contratos permanentes e olha-se para o trabalho temporário como sinónimo de alguma precariedade”, assume Mário Rocha da Hays, lembrando que é difícil adaptar esta realidade ao nosso país. De facto, o trabalho temporário, em Portugal, ainda prevalece na área dos serviços e dá resposta, principalmente, “a empresas que precisem de fazer a substituição temporária de um funcionários, dar resposta a picos sazonais ou, em caso de multinacionais, que tenham admissões congeladas”, acrescenta Mário Rocha. São as empresas de recursos humanos que alimentam em Portugal este fenómeno mas as posições indiferenciadas ainda são as que predominam. À Adecco, por exemplo, chegam por vezes pedidos mais qualificados para áreas de engenharia ou recursos humanos. Vânia Borges recorda uma das última solicitações: três contratos de engenharia por três semanas a um salário de 1300 euros base. “Portugal ainda está um pouco atrasado nesta matéria, mas as novas gerações vão ajudar a que haja uma mudança de paradigma”, assume a especialista.

Haverá, no entanto, sempre limitações. “Ainda há muito a ambição de se conseguir um contrato mais estável, ainda que algumas pessoas com uma escolaridade mais elevada já optem por trabalhos temporários para projetos de IT (Tecnologias da Informação), ou investigação – especialmente quando já trabalharam no estrangeiro”, detalha.

A expectativa de entrar para uma empresa a tempo completo e alcançar um contrato sem termo é para Amândio da Fonseca uma das razões para que a Eu Sa, empresa criada pela Egor para ajudar profissionais liberais em situação de trabalho temporário, não tenha descolado. Admite que os inscritos “não chegam a meia dúzia” e que a cultura portuguesa é o principal bloqueio a este crescimento. Quem poderia estar mais disponível para este tipo de emprego, os técnicos mais qualificados do que chama a geração grisalha, “emigraram para Angola ou Moçambique”. Quanto aos jovens, “a motivação é encontrar um emprego estável e, entre três e cinco anos, fundarem a sua própria empresa”, realça.

Há ainda um novo entrave. Se nos Estados Unidos se estima que em 2020,40% da população possa estar na gig economy, incluindo pessoas com mais de 65 anos que estão a aproveitar plataformas eletrónicas e digitais para trabalharem por pequenos períodos, em Portugal, o tecido empresarial composto 99% por micro e pequenas empresas trava a evolução. “Os países desenvolvidos gerem os seus quadros de uma forma flexível, mas grande parte das nossas empresas ainda não está preparada para este fenómeno”, justifica Carla Marques da Randstad. “Os grandes utilizadores da gig economy são as grandes multinacionais, mas temos vindo a incentivar as PME porque um emprego para a vida é cada vez menos promissor.” A especialista tem, por isso, esperança nas novas gerações, que “exigem um equilíbrio diferente para a vida pessoal”. Mário Rocha completa: “estamos a conduzir processos para perfis mais qualificados mesmo havendo resistência” em Portugal.

“Estão reunidas todas as garantias dos trabalhadores”

Europa alerta para exigências do trabalho temporário, numa altura em que as leis europeias são pouco claras

As empresas de recursos humanos lideram o mercado do trabalho temporário em Portugal através de contratações que fazem em nome das empresas num regime de outsouríng. Apesar de o mercado não estar totalmente desenvolvido em Portugal, Randstad, Adecco e Hays têm vindo a receber cada vez mais pedidos por parte das empresas e garantem que a ideia associada a uma precariedade laboral não pode ser levada à letra para todos os perfis contratados.

“O trabalho temporário é um contrato. Quando cedemos um trabalhador por um determinado período, ele recebe em proporção do que iria receber caso ficasse por um mês”, afirma Vânia Borges da Adecco, assumindo que a ideia da precariedade ficou associada aos perfis indiferenciados que começaram por abrir o mercado do trabalho temporário em Portugal. “Estão reunidas todas as condições dos trabalhadores.”

“São contratos estáveis”, acrescenta Mário Rocha, da Hays, assumindo que “se falarmos num contrato mensal já podemos observar condições iguais” a outro trabalhador daquela empresa. O discurso repete-se: “sempre foi um modelo de trabalho associado a perfis indiferenciados, mas há um esforço para que se contratem quadros mais seniores”, refere.

Na Randstad, Carla Marques lembra que “além de assegurar todas as garantias, o trabalho temporário reduz o número de inativos”. O tempo que esta relação dura, assegura, é que determina a diferença – nomeadamente na remuneração -, porque as condições laborais, que podem envolver seguro de emprego ou descontos para a Segurança Social, são iguais às de outro contrato. Fica, no entanto, a faltar o vínculo direto ao empregador e a regulação daquele trabalho, por exemplo, pela contratação coletiva, um dos fatores que mais dúvidas tem levantado junto dos sindicatos.

O emprego temporário foi abordado em Luxemburgo na última conferência EURES, como um mecanismo que dá aos jovens a possibilidade de ganharem experiência, e às pessoas sem ocupação permanente uma oportunidade de romperem o círculo vicioso do desemprego.

Segundo uma sondagem realizada pela filial belga da Randstad, só cerca de 10% dos trabalhadores temporários voltam a realizar um destes contratos. Por outro lado, são cada vez mais as empresas que recorrem a trabalhadores temporários para dar resposta à pressão da concorrência, beneficiando da flexibilidade oferecida por este tipo de vínculo, especialmente em alturas de mais trabalho – que acontece muito em Portugal durante o período de verão, especialmente no setor da hotelaria e restauração.

No entanto, Bruxelas alerta que em muitos países europeus a regulamentação ainda é insuficiente ou pouco clara sobre este tipo de emprego e as condições contratuais que o envolvem, realçando que legislar é um dos maiores desafios do setor.

A EURES esclarece que uma das indefinições que envolvem a área é, por exemplo, a duração mínima que um contrato de trabalho temporário deve ter. Entre os vários países da Europa podem encontrar-se períodos que vão de três anos na Holanda a apenas 15 dias na Bélgica. Já no Reino Unido não existem quaisquer disposições específicas para um contrato de trabalho temporário. Em Portugal, as agências de recrutamento lembram que tanto podem fazer um contrato deste tipo para um período de poucas semanas como alguns meses. A entidade realça que é importante evitar que o trabalho temporário se transforme num mercado de trabalho “em segunda mão”, ao invés desta Gig Economy que se tem desenvolvido na América com base em trabalhos altamente qualificados e bem remunerados.

Em Portugal, o governo publicou um novo diploma que passa a obrigar, a partir de setembro, as empresas que recorrem ao trabalho temporário, a serem responsabilizadas pelo pagamento de salários em atraso, em caso de incumprimento pela empresa subcontratada. Já acontece por um período de 12 meses, agora é intemporal.

 

Ana Margarida Pinheiro

in Dinheiro Vivo